Xenofobia em matérias sobre imigração? Jornalismo mal conduzido?

Felipemenegotto
5 min readAug 5, 2022

--

Chegou ao meu conhecimento uma notícia da CNN Portugal falando sobre a imigração ILEGAL de brasileiros em Portugal. Portanto resolvi investigar um pouco e escrever esse texto.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal está investigando uma série de “influencers” brasileiros que estariam ensinando as pessoas a emigrarem do Brasil para Portugal de maneira ILEGAL. Algo que é completamente compreensível e está dentro do direito de soberania de cada país. Por exemplo, os cidadãos brasileiros necessitam de visto para entrar nos Estados Unidos da América até como turistas. Os cidadãos brasileiros também necessitam de visto para viajar como turistas para a Coréia do Norte. E não há problema nenhum do ponto de vista do Direito Internacional, pois cada país é soberano sobre seu território e define as leis de trânsito de turistas e de imigração. Não irei discutir nesse texto o que é minha opinião sobre o trânsito de pessoas em cada país, apenas discutirei duas matérias jornalísticas que trataram o caso, pois vejo pequenos indícios de xenofobia velada.

O título da matéria é “SEF investiga influencers brasileiros por suspeitas de auxílio à imigração ilegal” e foi publicada no dia 22 de julho de 2022.

https://cnnportugal.iol.pt/sef/influencers/sef-investiga-influencers-brasileiros-por-suspeitas-de-auxilio-a-imigracao-ilegal/20220722/62da4f920cf2f9a86eae5a27

A matéria começa muito bem e descrevendo a questão, como pode ser observado no seguinte trecho.

“O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) está a investigar pelo menos 22 casos de influencers e youtubers brasileiros a viver em Portugal por suspeitas de auxílio à imigração ilegal”

Ou seja, começa pela descrição da investigação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Algo de completo interesse público, o que é dever do jornalismo. Mas aí começam alguns problemas.

Segundo o semanário, muitos dos cidadãos brasileiros chegaram a Portugal no máximo há quatro anos e, nas redes sociais, partilham dicas como chegar ao país, como arrendar alojamento ou partilham como entraram no país como turistas e quais os truques necessários para conseguir os documentos.

NÃO existe ILEGALIDADE em chegar em Portugal como turista e “conseguir os documentos”. Caso fosse ilegal, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras jamais concederia tais documentos. Ou será que o jornalista que escreveu a matéria acredita que os funcionários do SEF estão praticando atos contra a lei do seu país?

Aliás, não existem TRUQUES para conseguirem tais documentos. Para conseguir tais documentos como cidadão estrangeiro, basta ler os documentos OFICIAIS presentes nos sites da Internet dos órgãos públicos de Portugal. Qual o problema se um “influencer” lê tais documentos públicos e os compartilha em qualquer rede social que seja? O que existe de ILEGALIDADE nisso?

Passando desse ponto, temos o seguinte trecho.

Com milhares de seguidores nas redes sociais, entre YouTube, Instagram ou Facebook, há influencers que chegam a cobrar centenas ou milhares de euros por estes serviços.

Ponto importante. Aqui parece haver a ilegalidade. Um jornalismo bem feito, buscaria explicar para a população qual a lei que está sendo infringida de acordo com os códigos legais do país.

Por fim, a matéria acaba de maneira extremamente mal feita.

Há seis anos que o número de brasileiros em Portugal aumenta — mais que duplicou desde 2016. São a comunidade estrangeira com maior representatividade e, atualmente, são mais de 211 mil pessoas.

E aqui reside o meu maior indício de xenofobia velada. Uma matéria que começa falando sobre imigração ILEGAL simplesmente termina falando o número de imigrantes brasileiros?

Isso não é xenofobia velada?

Isso sequer diz respeito à matéria que é sobre os tais influencers. Em uma matéria que fala sobre “influencers de imigração ilegal” colocar o número total de brasileiros é completamente de péssima escolha do jornalista que escreveu a matéria.

Qual o problema dos 211 mil brasileiros estarem vivendo em Portugal se estiverem LEGALMENTE?

Aliás, quem concedeu toda a documentação para a vida LEGAL no país foram as autoridades que seguem as leis do país.

Terminar uma matéria sobre imigração ilegal citando esse número total de imigrantes é apenas uma forma de propagar discursos xenofóbicos.

Mas não acaba por aí. A CNN Portugal publicou na sua rede social Tik Tok, que é uma rede social de origem da China, diga-se de passagem, o vídeo no qual mostra alguns influencers que estariam ajudando nessa imigração ilegal. E de fato, alguns parecem mesmo estar fazendo isso, entretanto, o que chamou minha atenção foi o primeiro que apareceu no vídeo.

Assistam ao vídeo antes de lerem minha opinião

https://www.tiktok.com/@cnnportugal/video/7127996970513222918?is_copy_url=1&is_from_webapp=v1&q=cnn%20portugal&t=1659722796450

Esse primeiro rapaz chama-se Eliezer e tem um canal chamado “Via Infinda” no YouTube. Ele viaja o mundo. Já visitou todos os continentes e costuma passar períodos breves em cada país como turista, apesar de já ter morado em alguns. A matéria jornalística da CNN Portugal começa falando do “vídeo com mais de 1,5 milhões de visualizações”. Fui em busca do vídeo e assisti com o maior cuidado possível.

https://www.youtube.com/watch?v=rDjW5Grfhi0&t=115s&ab_channel=ViaInfinda

Analisei com atenção o vídeo anterior e me parece que o vídeo não ensina nada de ilegal. Inclusive o vídeo começa com o Eliezer gravando o áudio de uma pessoa de dentro do SEF explicando sobre a situação. Ele sequer expôs o nome da pessoa. E a pessoa que passa as informações, nada mais está fazendo do que trazendo informações públicas sobre a legislação vigente em Portugal. O que há de errado nisso para ele aparecer na CNN Portugal? O que há de ilegalidade nisso? O restante do vídeo é apenas ele conversando com outro brasileiro que imigrou de maneira legal para o país.

Devo lembrar ao jornalista da CNN Portugal que todo turista tem 90 dias para permanecer em Portugal, segundo a lei do próprio país. Inclusive nesse período como turista, se ele quiser deixar de visitar o “Museu do Descobrimento” ou o “Museu da Monarquia” e sua exposição “Ouros e Diamantes do Brasil” para nesse meio tempo procurar um emprego, não existe absolutamente NADA de ilegal nisso. E conseguir a documentação ou compartilhar informações que são públicas também não deve ser crime em Portugal. Ou será que é?

O jornalismo sério deve tomar muito cuidado. O Eliezer hoje vive em outro país e colocá-lo como um facilitador da entrada de imigrantes ilegais pouco mudará na sua vida, mesmo sendo um erro jornalístico. Entretanto, caso ainda vivesse em Portugal, poderia sofrer retaliações por algo que, aparentemente, ele está sendo acusado injustamente. Isso não é função do jornalismo sério e de uma empresa do tamanho da CNN.

--

--

No responses yet